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Ainda abordando a temática 'África', o poema que vamos analisar hoje, apesar de pequeno, é repleto de significado. Então, "aprecie sem moderação".
BANZO
(Raimundo Correia)
Visões que n´alma o céu do exílio incuba
Mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O Níger... Bramem leões de fulva juba...
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estralada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba...
Como o guaraz nas rubras penas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto...
Fuma o saibro africano incandescente...
Vai coa sombra crescendo o vulto enorme
Do baobá... E cresce n´alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente...
Agora que você acabou de fazer a leitura do poema, quero fazer uma pergunta: O que você achou?
Não vá me dizer que, se esta é a primeira vez que você lê este poema, você o achou lindo, sensacional, que eu não vou acreditar. Aliás, você deve até estar se perguntando o motivo de eu ter escolhido esse poema estranho, confuso, feio, etc. para ser analisado. Bem, não desista de ler a explicação. Talvez você até passe a gostar um pouquinho dele...
VOCABULÁRIO:
• Incuba = projeta mentalmente , põe na mente
• Infando = abominável
• Coleia = serpenteia, faz ondas
• Basilisco = réptil mitológico
• Níger = 3º rio mais longo da África
• Fulva = amarelada
• Fera tuba = barulho feroz
• Cafres = nome dado pelos islamitas aos gentios pagãos, incluindo os negros da África oriental
• Paquidermes = elefantes
• Guaraz = ave com plumas vermelhas
• Nimbos = nuvens
• Fuma = esfumaça
• Coa = “abreviação” antiga de “com” + “a”
• Baobá = árvore típica da África
Bem, agora que temos umas dicas do vocabulário usado pelo poeta, podemos perceber que ele descreve cenas africanas que vinham à mente dos negros exilados, isto é, dos negros trazidos como escravos para o Brasil.
Essas cenas têm conformidade com o título “Banzo” que era a palavra usada pelos negros para descrever a saudade deprimente que eles sentiam da terra natal.
Visualizando o poema, notamos que o poeta cita “visões” da terra natal, a África: ele menciona o céu bem azul, o Rio Níger que serpenteava como uma cobra dourada (porque o sol refletia em suas águas), os leões bramindo, os elefantes derrubando árvores, as tribos fazendo barulho no deserto, o saibro (areia) quente e o Baobá africano.
As lembranças que os escravos guardavam de sua terra natal eram tão doloridas que o poeta as chama de “mortais visões” que vinham em suas mentes ao olhar o azul do céu do exílio, o Brasil.
As comparações feitas também são bem interessantes. Já vimos que o rio Níger é comparado a uma serpente dourada, devido ao seu curso sinuoso, em curvas por uma grande extensão da África e pelo reflexo do sol em suas águas.
Outra comparação é feita com o por do sol. Consegue você , leitor, perceber com o quê o por do sol é comparado?
O poeta diz que assim como o guaraz dorme nas suas penas vermelhas, isto é, ele enrosca sua cabeça virando-a para trás e esconde seu bico em suas penas vermelhas, o sol da tardinha, quando já estava bem baixo, por vezes se escondia atrás das nuvens que ficavam vermelhas, como sangue. Daí, a linda metáfora “nimbos de sangue”. Você agora consegue entender o sentido do poema, não é? Pode confessar que o poema passou a ser “interessante” para você.
Mas não acaba por aqui a nossa análise.
Eu quero que você agora releia o poema, só que dessa vez em voz alta. O que achou do som que você ouviu?
Novamente não diga que foi lindo. Na verdade, o grande “lance” desse poema foi o trabalho feito pelo poeta para provocar uma reação de estranheza nas palavras usadas, na sonoridade produzida. E é isso a que realmente se propõe o texto literário: causar estranheza, seja na maneira como as palavras tiveram um significado diferente, seja na sonoridade das palavras, seja nas metáforas usadas, seja na disposição dos versos, etc.
No caso de “Banzo”, o poeta usou palavras da língua portuguesa com sonoridade de palavras africanas! As terminações “uba” e “ndo” fazem parte de muitas palavras da nossa língua que têm origem africana, como são exemplos as palavras “fubá”, “marimbondo” e “samba”.
Como pertencente ao movimento “Parnasianismo”, Raimundo Correia usa métrica impecável e rimas ricas (assuntos que iremos tratar numa outra ocasião)
O poema, na realidade, constitui uma homenagem aos negros africanos, arrancados de sua terra natal e tratados como objetos, sendo vendidos e comprados, emocionalmente dilacerados.
Só um poeta de verdade, como Raimundo Correia, pra usar de tanta empatia e falar de maneira tão bela de algo tão triste.
Releia o poema agora. Ouça o som das rimas e das palavras africanas. Visualize o cenário africano descrito. Pense num imenso Baobá, crescendo dentro da mente do escravo exilado, assim como crescia sua saudade por sua terra natal, imensamente.
Agora pode me dizer que gostou.
Dedico esse poema e sua análise ao meu irmão André que ama poesia e como eu, sente um tipo especial de “banzo”. Só quem sente é que sabe.
2 comentários:
Excelente a esplicação ,agora eu entendi o poema , obrigada , continue assim !!!!
Muito show... excelente.
obrigada pela explicação agora entendi!
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